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Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

O menino Fernando

 


Um menino partiu de Lisboa, numa embarcação ainda movida à Vela. Era o sonho do menino Fernando. Singrar os mares como Fernando de Magalhães e tantos outros. Sentir a força do vento impulsionando a embarcação. Os marujos, com quem fez amizade, deixavam-no escalar o mastro e, longe com o telescópio avistar o horizonte. Ao se aproximarem das costas brasileira, foi ele a anunciar –“Terra a vista”! Avistou também muitas gaivotas e albatrozes sobrevoando, sem se conter gritou, . . . Como é bonito!
Aprendeu usar a bússola, o astrolábio com o Timoneiro. Passava tempo na proa observando a água do mar.
Ao nascer Fernando recebeu do pai esse nome por ser 13 de junho. No batismo, pai, padrinho, o padre profetizaram:
- Vai ser tão inteligente como o grande Santo Antonio de Lisboa. O menino, português viajou para a Colônia já emancipada, agora, Reino Unido.
Foi conviver entre Franciscanos para ser educado, na cidadania, como na intelectualidade. Num instante, se alfabetizou, aprendeu também a língua Tupi –Guarani com muita facilidade. Fernando com um dom especial transformava o que sentia, o que estava descobrindo na nova Terra em poesia. Brincava com os curumins, incorporando mais uma cultura no seu conviver.

A Terra do Brasil
O céu cor de anil.
Florestas majestosas,
Onde canta o sabiá
Vive o canário-da-terra.
Amarelo, como Bandeira Nacional,
Cantar mavioso, encantar sabia.
Os curumins alegres,
Banhando-se nas águas
De rios, límpidas, transparentes.
Brincando nas cachoeiras
Assando o peixe no brasido,
Enrolado em folhas de bananeiras.
Com a mandioca, servido,
E, frutas de inigualável sabor.
Pareciam semi-deuses.

Fernando escrevia em guarani, mesmo com pouca idade, um historiador. Aprendeu fazer cesto com a taquara, com o cipó, para pescar. Usar e fabricar a fecha, a zarabatana. Tomar água no porungo, trazer o samburá cheio de peixes para saborearem à noite.
Quando nas madrugadas quentes, dormia embalando-se na rede, amarrada com cipó, em ipês floridos. O mesmo amarelo dos canários, do ouro do Brasil. Na floresta, o marulhar da cachoeira, fazia-o sonhar com a terra além mar. Ficava chateado quando era mandado para o Liceu, com os filhos dos portugueses. Precisava aprender escrever na língua materna. Lia Camões, aprendeu que ele amou, estruturou a língua portuguesa. Lia Castro Alves, com sua sensibilidade escreveu versos contra a escravidão. Pelo estilo contestador das barbaridades praticadas contra os negros ficou sendo o “ Poeta dos Escravos”. Divertia-se com as escritas de cada um.
Nos serões literários, junto com os frades imitando a linguagem portuguesa, já sobressaindo a portuguesa-brasileira declamava poesias de Gonçalves Dias, falando dos índios. Com firmeza, sabia o poema épico de Gonçalves de Magalhães, a “Confederação dos Tamoios”.
Quando conseguiu ler José de Alencar, Alvares de Azevedo se encantou com a história relatada. Permitiram-lhe ler a Carta de Pero Vaz de Caminha. Encantou-se. Passou uma semana saboreando Camilo Castelo Branco, profetizou:
- Eu também vou escrever, outros irão ler o que deixarei registrado.
O pequeno literato viveu no Brasil, ainda alcançando o fim da época do Império, foi agraciado com uma viagem a Petrópolis quando Dom Pedro II, grande Intelectual deliciou-se com o conhecimento do já adolescente. Conversou no mesmo nível de sapiência.
Gostava de brincar nas praias, de banhar-se no litoral Atlântico, caminhar na areia, escalar os rochedos, pensando no seu regresso a Portugal.
Numa tarde chuvosa, o menino desapareceu. Foi uma confusão só. Saíram a procurar pelos becos da cidade. Sabiam da curiosidade do adolescente. Depois de muitas buscas, cansados deixaram para o dia seguinte. Quando malmente amanheceu estavam os frades, mais o Tutor em seu alcance. Fernando foi encontrado entre os escravos, quase libertos, dormiu numa senzala. Maravilhou-se com os casos contados, com a fogueira acesa, as danças realizadas para espantar as agruras da vida. Ensaiou alguns passos da Capoeira. Cantou, rezou com a irmandade negra. Comeram farinha de mandioca, um pouco de carne seca. Por sorte naquela noite havia uns peixes assados. Também verduras davam um sabor melhor à refeição.
Com mais de 25 anos preparou-se para o regresso. Tinha consigo uma canastra, só de escritos, muitas poesias exaltando a terra, os costumes. Levava com carinho os Sermões de Padre Antonio Vieira, precisava ler mais vezes.
O menino português, batizado de Fernando, viveu em terras Tupiniquins, voltou homem feito para sua Pátria, foi morar com a avó e, as tias maternas. Não teve vida muito longa, morreu em conseqüência do pouco caso com a saúde, não cuidou de si, mas foi um grande intelectual. Escreveu muito. Encanta todos os dias a quem lê as suas obras.

 

   
Publicado no livro "Xeque-mate" - Contos selecionados - Edição Especial - Novembro de 2014