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Lourival da Silva Lopes
União / PI

 

Lagoa encantada

 


Desde que me entendo como gente, ouço falar que a lagoa das Coceiras é encantada. Não acredito muito nisso. Mas tenho cá minhas dúvidas. A gente arma engancho um dia, pela manhã, quando dá meio dia, que a gente olha, está cheio de peixe. Em outro dia, nem um para fazer remédio. Meu tio Chico me disse que a lagoa só dá peixe quando quer. Eu fiquei pensando nisso: será que lagoa é sovina feito gente. Não pode ser. Mas meu tio jurava que era verdade. E provava o que falava.
Um dia, saí com ele para armar o engancho. No caminho, ele ficava falando das coisas estranhas que aconteciam na lagoa. Me falava assim: olha, quando a água está limpinha e calma, melhor não armar o engancho. É perda de tempo. Agora, quando a água estiver mais escura, como se alguém tivesse mexido, pode botar o engancho que enche de peixe. Chegamos à lagoa. A água estava escura e mexida. Ele olhou para a água e falou:
- Hoje, está bom. Vamos pegar muito peixe. Prepara o cofo.
Não deu outra: branquinha, sambuda, corcunda, pirambeba, bodó, traíra, surubim, bico de pato, mandubé e cará. A rede ficou pesada. Ainda bem que tínhamos levado dois cofos.
- Não te falei! É certeza, já estou acostumado. Quando está diferente, nem ponho o engacho na água.
Fomos tirar os peixes. Ele na frente, levantando o engancho, e colocando os peixes no cofo que eu levava. Não era muito fundo o lugar em que armamos o engancho, mas a água batia nos meus peitos. Eu não era uma criança, mas também não era um homem feito. Tinha uns catorze anos e muita curiosidade. Terminamos de tirar os peixes do engancho. Deu para encher um cofo e deixar o outro pela metade. Concordamos em esperar um pouquinho, para ver se pegava mais para completar o outro cofo.
Do outro lado, havia uma cerca de talos de coco babaçu que atravessava a lagoa. Eu imaginava que haveria peixe enganchado naquela cerca. Resolvi, impetuosamente e desaconselhado pelo meu tio, me aproximar da cerca e com as mãos procurar os peixes. Não demorou muito, apalpei um e segurei-o firme. Levantei a mão com o peixe seguro pelas guelras.
- Tio, peguei um.
- Cuidado, pode ter algum mandi por aí. Pode te esporar.
Botei o peixe no cofo e continuei procurando outros com as mãos. Ao triscar em outro peixe, senti sua pele lisa. Pensei nas palavras de meu tio e puxei as mãos rapidamente. Mas pensei que poderia ser outro peixe. Levo as mãos novamente para dentro da água e novamente tocam aquela pele lisa. Tento encontrar as suas guelras, para pegá-lo com firmeza. Para meu azar, encontro um esporão afiado, penetrando a minha carne por cima do polegar. A dor é tão grande que saio de dentro da água, nu, com o mandi pendurado entre meus dedos. Meu tio vendo aquilo começou a gritar:
- Eu não te disse, cabra teimoso. Espera aí.
Fiquei rodando por trás de uma moita gritando de dor, até meu tio chegar e me agarrar pelo braço, segurar com firmeza minha mão e dizer:
- Vai doer, cerra os dentes, vou puxar.
Puxou. A dor foi tão forte que me mijei todinho. Esporão de mandi é como arpão, para sair tem que rasgar a carne. Foi uma dor insuportável.
A dor, no entanto, foi passando, bem lentamente, ao ponto de eu conseguir me vestir e ouvir meu tio me chamar de homem frouxo. Não pude dizer nada, mas pensei:
- Lagoa encantada é o diabo!

 

   
Publicado no livro "Xeque-mate" - Contos selecionados - Edição Especial - Novembro de 2014