Matheus Henrique Ramos Mendes
Monte Carmelo / MG

O café

Estava gelado demais e muito doce para o meu gosto. Nem sei o que bem dizer, eu pensei. Via as xícaras com o resto do café, com resto de vida que tinha. Tentei não olhar em seus olhos, pois sabia que veria todas as inquietações e magoas passadas.
Estava na sala de estar comum com aquela vida comum de gente de antigamente. A televisão antiga, num cômodo antigo, um sofá novo e a vida desgastada, até as paredes denotavam a falta de integridade do ambiente. Podia prever o seu bom dia seco e suas entonações amargas. Sentia-me um estranho em minha própria casa. O que poderia acontecer, eu não saberia ao certo.
A boca pálida e a mão trêmula. Vinham em mim como uma onda. Não forte não rápida apenas eternamente desgastante. Dizia coisas absurdas e cômicas, mas no final, era aquela mesma secura. Eu sabia que não poderia ter forças para deter o que tinha começado há tempos atrás. Só me cabia era a morte, mas sem ela seria um pouquinho mais triste.
Fui seco com ela. Ao menos isso ela merecia por toda sua frieza comigo. O veneno é um meio covarde que poderia imaginar, mas não importei. Era doce apesar de frio. Vi que sua boca já não havia movimento. Escorreu-lhe uma lagrima do rosto. Compreendi como um pedido de desculpas.
O buraco cavado era fundo o bastante. Podia me deitar em paz com ela. A coloquei com todo o resquício do amor que agora ardia no peito. Era necessário eu pensei. A fitei por uns breves momentos como se eu quisesse desejar-lhe bons sonhos.
O gosto não deveria ser bom. O bebi com café gelado e doce, que agora parecia mais ponderado que antes, que sempre. Deitei-me ao seu lado e pude ver seus olhos sem magoa, prontos para nosso descansar.