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Paulo Vasconcellos
Capanema / PA

 

Paçoca e as suas

 


Toda cidade pequena e pacata tem uma referência em se tratando de figura folclórica. No vilarejo de Rosário, município de Alegre, havia um senhor idoso muito neurastênico que não aceitava opinião de ninguém e ficava fulo da vida se lhe chamassem pelo apelido de “Paçoca”. Se alguém se atrevesse, ele rasgava o verbo e chamava os palavrões mais cabeludos que existissem. Certo dia, Inácio, este era seu nome de batismo, estava no velório de uma moradora de Rosário, dona Coló, quando chegaram algumas pessoas e em determinado momento começaram a cochichar. Meio desconfiado e imaginando que naquela algazarra o que se falava era dirigido a ele, Inácio começou a ficar vermelho de raiva. Três dos rapazes que estavam próximos da porta da casa trocavam idéias uns com os outros e aos poucos aumentavam o tom da voz. Manoel, um moreno de feições indígenas comentou com Pedro:
- Pedrinho, como se dá o nome daquela farofa que a tua mãe faz com castanha de caju colocando no pilão com farinha?
- Pedro engoliu seco e respondeu:
- não sei.
Sem sucesso, Manoel então se dirigiu a Marcelo e lhe fez a mesma pergunta. Marcelo, sem saber do apelido de “seu” Inácio, falou com segurança:
- claro que é paçoca, seu besta!

Todos que estavam no velório esboçaram uma gargalhada mas ficaram esperando a reação. Seu Inácio estava rezando mas ouviu a resposta de Marcelo e foi logo atacando como de costume, com a língua afiada.- Olha seu moleque, me respeita, que eu tenho idade pra ser teu avô”.
- Meu senhor, eu não sei do que se trata! – Disse Marcelo.
- Ora, não se faça de trouxa, isso que você falou aí, deveria ser dito para o seu pai, moleque f.d.p., respondeu Paçoca.
Enquanto Marcelo tomava broncas de “Paçoca”, Manoel e Pedro saíram da sala e foram para o quintal. Chegando lá, contaram o ocorrido para as outras pessoas. Momentos depois chegou Marcelo indignado com os dois porque eles haviam lhe aprontado uma boa. Reclamou e foi embora resmungando.
No dia seguinte, no enterro de dona Coló, Marcelo se distanciou dos amigos e acompanhava o cortejo sozinho pelas ruas de Rosário. Na igreja, missa de corpo presente, as pessoas se uniram para render as últimas homenagens à dona Coló, figura muito querida na localidade. Terminada a missa os parentes e amigos de Coló levaram o caixão com o corpo para o sepultamento no pequeno cemitério. Seu Inácio, o “Paçoca”, ficou na igreja rezando, uma vez que havia prometido ao padre que não ia mais chamar palavrões, uma de suas principais armas contra quem lhe apelidava. De joelhos Paçoca meditava em silêncio. Decorridos mais de cinco minutos, chegou Pedro acompanhado de Manoel e os dois se esconderam atrás de uma das portas da igreja para observarem o devoto e o apelidarem.
Depois de se benzer, “seu” Inácio foi até o altar, novamente ajoelhou-se e começou a entoar uma música sacra conhecida por todos os fiéis da igreja. Os rapazes se aproximaram e começaram a conversar próximo a ele. Só que este não os reconheceu. Pedrinho, o mais levado, se escondeu atrás de um dos bancos e esperou o momento certo para chatear o homem. Seu Inácio começou a cantar novamente.
- O meu coração, é só de Jesus, a minha alegria, é a Santa Cruz.
Os moleques combinaram e falaram a uma só voz antes dele terminar a última frase.
´...a minha alegria ...
- Ei, Paçoca!
E ele em vez de terminar a frase completou:
...É o c... da mãe.
Como quebrou a jura diante do altar da igreja, Inácio pegou seu guarda-chuva, correu atrás dos moleques e recomeçou todo o seu repertório de palavrões para revidar os insultos. Viveu até quase 90 anos e levou para a sepultura o apelido herdado desde a juventude e a fama de imoral, o famoso “boca suja”.
Esta é a síntese da história de um homem marcado por um apelido comum que lhe rendeu muitos aborrecimentos. Os nomes dos lugares e das pessoas usados nesta narrativa são fictícios. Qualquer semelhança é mera coincidência.

   
Publicado no livro "Xeque-mate" - Contos selecionados - Edição Especial - Novembro de 2014